A Revolução Desigual: a tecnologia avança… e o amor?
Vivemos numa era de avanços tecnológicos que desafiam os limites do que, até pouco tempo, parecia ficção científica. A medicina prolonga a vida, a inteligência artificial corrige textos e responde perguntas, e as redes sociais conectam os continentes em segundos. Mas, em meio a esse progresso vertiginoso, o ser humano ainda tropeça em dilemas milenares: a indiferença, a intolerância, o orgulho, o egoísmo.
O Espiritismo, cuja proposta filosófica visa o progresso simultâneo da ciência e da moral, precisa reconhecer a assimetria gritante que marca o século 21: o desenvolvimento intelectual corre a galope, enquanto o amadurecimento ético segue a passos vacilantes.
O resultado é um mundo mais técnico, mas não necessariamente mais justo ou compassivo. O ser humano ainda continua ensimesmado e estagnado no que tange à moral.
O uso inconsciente ou egoísta da tecnologia pode nos aprisionar em ilusões: a busca por validação em curtidas, a exposição exagerada do ego, a alienação do presente. O Espiritismo alerta que a matéria é transitória — e que tudo o que alimenta apenas o orgulho, a vaidade e o materialismo nos afasta da verdadeira missão: evoluir como seres morais.
Allan Kardec, com notável lucidez, já antecipava esse descompasso. Ao tratar das leis morais, na terceira parte de O Livro dos Espíritos, ele adverte que o verdadeiro progresso não se mede apenas pela potência das máquinas ou pela precisão dos algoritmos, mas pela capacidade de o ser humano viver em harmonia com o outro. “Onde houver mais caridade e menos egoísmo, ali está o sinal do verdadeiro progresso”, ensinava.
Acontece que os dramas humanos não foram superados pela tecnologia. Pelo contrário, foram apenas recobertos por novas linguagens. O abandono afetivo se traveste de hiperconectividade. A busca por sentido se camufla em performances de felicidade. A dor emocional é anestesiada com mídias, consumo e farmacologia. E o movimento espírita, muitas vezes, segue mesmerizado pelas formas sem atentar-se ao conteúdo.
Nesse contexto, o desafio espiritual da era digital é o de usar o livre-arbítrio com consciência. A tecnologia é uma ponte. Cabe a nós escolher se ela vai nos aproximar da luz... ou nos distrair do caminho.
É urgente compreender que a sociedade do desempenho, da positividade tóxica e da autoexploração produz não apenas esgotamento físico, mas esvaziamento moral. Se a reencarnação é uma oportunidade educativa, então é preciso que a educação acompanhe o espírito em sua dor, não com receitas prontas, mas com escuta, afeto e responsabilidade coletiva. A doutrina espírita não foi proposta para adormecer consciências, mas para despertá-las.
A revolução necessária
Não se trata, pois, de negar o valor do progresso material. O erro está em tomá-lo como fim. O verdadeiro progresso, na visão espírita, é o da consciência. E esta não pode ser delegada às máquinas, nem terceirizada às religiões. Ela se constrói no íntimo, mas também no coletivo, no enfrentamento das desigualdades, na superação das injustiças, na coragem de amar onde todos esperam o julgamento.
A missão do Espiritismo no mundo não é a de entreter consciências com promessas de um futuro celestial, mas de inspirar a construção de uma sociedade mais digna aqui e agora. A revolução de que precisamos não é digital. É moral. E ela começa no coração de cada um, sempre que optamos por amar sem querer nada em troca.
Que o movimento espírita do nosso tempo tenha a ousadia de reconhecer que o mundo mudou. E que, mesmo diante de novos cenários, velhas dores ainda clamam por soluções simples e profundas: olhar, escutar, compreender, servir. Sem isso, nenhuma tecnologia nos salvará de nós mesmos.
Eliana C. R. de Carvalho é do Grupo Espírita Reencontro, de Mauá/SP